20110308

Mulheres, do mundo e de todos os tempos

Eis um dia só para nós, o Dia Internacional da Mulher: 8 de março, assim instituído em homenagem às 129 operárias de uma fábrica têxtil de Nova York que foram queimadas em 1857, após uma ação policial contra suas reivindicações de redução da jornada de trabalho de 14 para 10 horas e a licença-maternidade. Um motivo em parte infeliz, mas a homenagem é bem merecida pela iniciativa.
Acho importante saber de onde vem essa data comemorativa. Lembrar que ela não é para mulheres apenas maravilhosas, talentosas, beldades, ricas e poderosas... Também não é apenas um dia no ano para bajularmos as que fazem parte de nossa vida. Não é um culto à feminilidade ou ao feminismo. Não! Ele serve para celebrar mulheres que fazem a diferença! Sua origem ilustra bem isso. Pelo menos no meu ponto de vista... Acho que é preciso algum mérito.
Hoje é o dia em que celebro as mulheres que mudaram a história do mundo, aquelas que lutam diariamente por sua dignidade, aquelas que têm o futuro em suas mãos, educadoras, médicas, enfermeiras, ambientalistas, enfim, humanas que dão alguma contribuição ao lugar em que vivem. Também, aquelas sem as quais eu não imagino viver sem, e importantes para mim: minha mãe, minhas amigas, minhas professoras, a diretora da escola... e outras que me inspiram, simplesmente.
Por muito tempo, as mulheres estiveram em segundo plano, sem voz, sem vida própria, com algumas exceções que são as poderosas rainhas, princesas, etc., cuja sorte impediu qualquer mácula, e as guerreiras, corajosas e implacáveis. Mas não vou divagar sobre elas agora, seria abrangente demais colocar aqui informações tão distantes e difusas de personalidades monárquicas, lendárias, quase mitológicas ou santas, como por exemplo, Joana d'Arc. Vou me ater a fatos mais ao nosso alcance possível e que influenciam nossa geração.
Em 1792, na Inglaterra, falou a primeira voz feminista na história: Mary Wolstonecraft escreveu um grande clássico, A Reivindicação dos Direitos da Mulher, no qual defendia uma educação para meninas que aproveitasse seu potencial humano. Muito bem! É pela educação que se começa. Aqui no Brasil que ela sempre esteve atrasada. Só lá em 1827, surge a primeira lei sobre educação das mulheres a permitir que freqüentassem as escolas elementares, as instituições de ensino mais avançadas eram proibidas a elas. Aí só em 1879 o governo as autoriza a estudar no ensino superior, mas as que iam por este caminho eram criticadas na sociedade, affe! E claro, eram só as ricas que podiam. A primeira médica a se formar no Brasil, em 1887, foi Rita Lobato Velho. As pioneiras sempre tinham dificuldade em se afirmar profissionalmente, chegavam a ser ridicularizadas. Ossos do ofício, talvez... Educação sempre foi um luxo por aqui. Parece que cultura também. Em 1885, a compositora e pianista Chiquinha Gonzaga estréia como maestrina, a primeira mulher no Brasil a estar à frente de uma orquestra. Precursora do chorinho, Chiquinha compôs mais de duas mil canções populares, entre elas, a primeira marcha carnavalesca do país: "Ô Abre Alas". Além disso, escreveu ainda 77 peças teatrais. Uau! Em 1996, a escritora Nélida Piñon é a primeira mulher a ocupar a presidência da Academia Brasileira de Letras. Exerce o cargo até 1997 e é membro da ABL desde 1990. Que sonho!
Socialmente, o papel da mulher começou a se transformar lá na Revolução Francesa (1789), com uma posição significativa na sociedade, começaram a surgir movimentos pela melhoria das condições de vida e de trabalho, por participação política, pelo fim da prostituição, pelo acesso à instrução e pela igualdade de direitos entre os sexos. (Ah, as francesas são demais.).
Com a Revolução Industrial, a absorção do trabalho feminino como mão-de-obra barata, a mulher entra de forma definitiva na dinâmica produtiva. Ela passou a ser obrigada a cumprir jornadas de até 17 horas de trabalho em condições insalubres e submetidas a espancamentos e humilhações, além de receber salários até 60% menores que os dos homens. Havia a premissa de que elas tinham quem as sustentasse. Ora bolas, faça-me o favor! As manifestações operárias iniciaram na Europa e nos Estados Unidos, tendo como principal reivindicação a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias. Em 1819, a Inglaterra aprovou a lei que reduzia para 12 horas o trabalho das mulheres e dos menores entre 9 e 16 anos. Só!

Anne Frank
Da época da Segunda Guerra Mundial, não posso deixar de mencionar Olga Gutmann Benário (1908-1942), a militante comunista alemã (desde o 15 anos!), judia, que veio ao Brasil na década de 30 apoiar o Partido Comunista do Brasil, recrutada como guarda-costas de Luis Carlos Prestes (não podia se cuidar sozinho!). Foi deportada de volta à Alemanha pelo governo de Getúlio Vargas, presa e transferida para o campo de concentração de Lichtenburg, depois para Ravensbrück, onde organizou atividades de solidariedade e resistência, com aulas de ginástica e história. Por último, foi levada para o campo de extermínio de Bernburg, no qual morreu em 1942. Uma revolucionária incrível, cuja lealdade impressiona. Outra figura feminina importante do holocausto é Annelies Marie Frank (1929-1945), a dos diários de Anne Frank, outra alemã judia, morta num campo de concentração aos 15 anos; viveu um tempo em Amsterdã, escondida num Anexo Secreto, acima do escritório de seu pai, no qual começou a escrever no seu diário, Kitty, que ganhou aos 13 anos; após uma denúncia, sua família foi deportada, levada ao campo de Auschwitz e por último ela e sua irmã foram parar num campo em Bergen-Belsen, onde morreram por causa de uma epidemia de tifo. Admiro muito sua disposição para a escrita mesmo sob circunstâncias tão difíceis. Seu pai foi o único sobrevivente e seu diário foi publicado como livro pela primeira vez em 1947.

Durante as Guerras, com os homens na linha de frente, mulheres assumiram os postos nas fábricas e nos estaleiros, passaram a conduzir comboios ou a operar máquinas. Passada a guerra, nada voltou a ser como antes, depois de crises tão marcantes, nunca mais voltariam ao segundo plano. Daí, basta um salto para a globalização da moda. Nos anos da ocupação alemã - que impôs à França leis de reserva de estoques e limitações drásticas de recursos para a fabricação de vestimentas e acessórios – houve a criativa resistência cultural dos franceses, 'improvisar' passou a ser a palavra de ordem, conservando assim a fama de Paris como capital mundial da moda. Assim é preciso "buscar na moda aquilo que ela tem de revelador do ambiente político, econômico e cultural de sua época.", o que é muito bem mostrado no livro A Moda e a Guerra, de Dominique Veillon. Nada de modismos, mulheres, a moda é muito mais do que isso, é história, economia e representações culturais e sociais. Nessa área, nenhuma mulher melhor do que Coco Chanel (foto à esquerda), a Gabrielle Bonheur Chanel (1883 -1971), estilista francesa sempre à frente do seu tempo, muuuito mais do que a marca que ela criou, é um símbolo de praticidade e elegância simultâneas.
Em 1945, a igualdade de direitos entre homens e mulheres é reconhecida em documento internacional, através da Carta das Nações Unidas. Hahahá, só no papel mesmo! Mesmo atualmente, no mundo ocidental falta muito ainda para se alcançar a igualdade no trabalho. Quando se considera filhos e o trabalho doméstico, as mulheres trabalham mais do que os homens, quer no mundo industrializado, quer no mundo subdesenvolvido (20% a mais no mundo industrializado, 30% no resto do mundo). No Brasil, o percentual de mulheres chefes de família cresceu 79% em dez anos, passando de 10 milhões em 1996 para 18 milhões em 2006. E aí? Outro problema a ser resolvido. Pois, mundialmente, as mulheres ganham em média 30% menos do que os homens, mesmo quando têm o mesmo emprego. As mulheres detêm apenas 1% da riqueza mundial, e ganham 10% das receitas mundiais, apesar de constituirem 49% da população.
Voltando às feministas, falarei do seu papel no sufrágio, direito de voto, e na participação feminina na política ao longo da história. As ativistas do feminismo surgidas no século XIX eram conhecidas como suffragettes, sufragistas em português, linkou agora? A grande representante desse movimento sufragista feminino foi Katherine Wilson Sheppard, da Nova Zelândia, país no qual pela primeira vez no mundo a mulher teve direito ao voto, em 1893. No Brasil o voto só é garantido às mulheres em 1932 com a promulgação do novo Código Eleitoral por Getúlio Vargas. No entanto, o primeiro voto feminino aqui – e na América Latina (!) – foi em 25 de novembro de 1928 em RN, onde foi eleita a primeira prefeita da história brasileira: Alzira Soriano de Souza, de Lages. Na Índia, a estrategista e brilhante pensadora política Indira Gandhi foi Primeira Ministra de seu país duas vezes até o seu assassinato em 1934. Na Argentina, Evita Péron (Eva, 1919-1952), casada com o presidente Peron, lutou pelos direitos dos trabalhadores e da mulher; em 1974, Isabel Perón torna-se a primeira mulher a ocupar o cargo presidencial. A Líder do Partido Popular de Paquistão, Benazir Bhutto (1953-2007), foi a primeira mulher que ocupou o cargo de premiê de um país muçulmano; dirigiu o Paquistão em duas ocasiões e foi assassinada em plena campanha política. As mulheres estão sub-representadas em todos os corpos legislativos mundiais. Em 1985 a Finlândia detinha a maior percentagem de mulheres na legislatura nacional, com aproximadamente 32% Atualmente, a Suécia tem o maior número, com 42%. A média mundial é apenas 9%.

Louise Weiss et suffragettes, Paris, 1935.
Pausa agora para uma homenagem de nível científico, indispensável para o mundo das químicas, a cientista mais confirmada: Maria Sklodowska Curie (1867-1934), pioneira no estudo da radioatividade, cuja nação, Polônia deu origem ao nome do elemento Po, foi a primeira pessoa a ser laureada duas vezes com o Prêmio Nobel, o de física em 1903 (com seu marido, Pierre, e Becquerel) e o Nobel de Química em 1911 (seu centenário está sendo comemorado este ano no IYC =) pela descoberta dos elementos Rádio e Polônio, e foi a primeira mulher a ocupar o cargo de professora de Física Geral da Faculdade de Ciências, na França. Pronto.
E no âmbito da sexualidade também temos quem celebrar: Simone de Beauvoir, escritora francesa que escreveu o livro O Segundo Sexo, no qual faz uma análise da condição feminina, lançado em 1949. Quem mais? Katharine Mccormick e Margaret Sanger! Exemplos de assertividade e determinação femininas. Elas perguntaram ao cientista Gregory Pincus: "o senhor criaria uma pílula contra a gravidez que fosse fácil de usar, eficiente e barata? Nós financiamos, haha.". Audaciosas, lançaram esse desafio. Dito e feito. O trabalho de Pincus deu certo e em 1957 era aprovada a venda do Enovid-10, um contraceptivo oral vendido como um medicamento para complicações menstruais. Só em 18 de novembro de 1960 seria oficialmente permitida a sua venda como método contraceptivo. Finalmente as mulheres podiam viver plenamente o sexo sem receios e a gravidez. Não, a disseminação do uso do contraceptivo oral não foi imediata. Apenas em 1967, antes do início dos protestos de Maio de 68, a venda da pílula era aprovada na França. Já as brasileiras apostavam na liberdade sexual inspiradas pelos movimentos civis da década de 60 e em vingança à repressão moral vivida nos anos 50, enfrentando a fúria da classe conservadora ou a histeria coletiva quando o assunto era aborto. A referência para elas foi Leila Roque Diniz (1945-1972), conhecida como a Mulher de Ipanema, defensora do amor livre e do prazer sexual é sempre lembrada como símbolo da revolução feminina, que rompeu conceitos e tabus por meio de suas idéias e atitudes. As que corriam na frente e se opunham às convenções eram invejadas e criticadas pela sociedade machista das décadas de 1960 e 1970. Eram tidas como vulgares. O sexo seguro já não é mais só uma opção. Cuidar de si é a única garantia. Em 1983 o Ministério da Saúde cria o PAISM - Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher, em resposta à forte mobilização dos movimentos feministas, baseando sua assistência nos princípios da integralidade do corpo, da mente e da sexualidade de cada mulher. O que resta agora é continuar na luta pela paridade salarial e por sua segurança física e moral.
Depois disso, mulheres, que sejam felizes, sendo o que bem entenderem!
Isso tudo era apenas para mostrar que ser mulher vale a pena, sim. Nós somos maravilhosas. Só nós temos o DNA mitocondrial (obrigada, mamãe, pelo meu!), nosso mundo não seria nada sem nós. O futuro é das mulheres com atitude. Você PODE tudo para fazer a diferença, o primeiro passo é querer. Porque há mulheres que merecem ser celebradas todos os dias...

Fontes dos dados históricos, estatísticos e imagens:
google images; Wikipédia; ibge.gov..br/ibgeteen; loucuramental.com; conexaoprofessor.rj.gov.br

2 comentários:

  1. Uau. Que demais esse texto. E é isso aí, muito importante sempre lembrarmos dessas mulheres, sem as quais não teríamos a liberdade e igualdade de hoje...
    E que essa busca pelos direitos nunca termine õ/
    Parabéns pelo texto amiga, beijão ;*

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  2. Texto riquíssimo de informações, ótimo desenvolvimento. Sensacional! É importante ter conhecimento desses fatos. O parágrafo sobre a criação do anticoncepcional é interessantíssimo, muito curioso. Não tinha conhecimento dessas histórias. Muito bem escrito!

    Parabéns pra vocês, mulheres, e especialmente pra ti, Cintia!

    Beijão!

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