20110223

Ela, ainda estava lá

        Bonjoour! Decidi ir ver o sol nascer hoje. Espero que voltes bem [e trate de falar comigo antes de amanhã, seu, seu... seu sumidinho!]. Logo, te mando um beijo pelo vento. Se o sentires numa brisa pelo caminho, tanto melhor. Se não (sempre entro em dúvida sobre qual senão usar), sinto muito... Ficas sem. Tá, tá, posso sim fazer o favor de beijar-te pessoalmente se for preciso. Sacrifício (muitamuitaironia.com).
         Mas então, o restinho da noite à minha espera estava um tesão. Límpida, fresca e com uma lua nova de cor bem simpática me saudando.
         Ruas praticamente vazias, me enchendo de maníaca alegria. Saí correndo a fazer meu próprio vento. Uma liberdade improvisada. Olhar para trás com expressão sapeca de quem vai brincar escondido e se divertir muito melhor sozinho. Eu podia saltitar, abrir bem os braços fingindo o melhor vôo (mesmo que viesse se parecer com o de uma garça), cantar alto, berrar, e não tinha nada, muito menos ninguém, com que se importar.
         Ah, essa escuridão cintilante, sedutora e aconchegante como uma bela capa de veludo. Parecia que, por instantes, eu tinha uma metade do mundo só pra mim, me preparando um espetáculo particular. E tinha uma linha se desbotando insinuante no horizonte já.
         Apressei-me, precisava chegar antes do sol. Enfim, cheguei lá em cima. Ainda me sobraram uns minutos para procurar o melhor lugar, o melhor ângulo e a melhor acústica para se escutar o sussurro do silêncio, o despertar do mágico. Lá adiante, o céu desnudando-se, revelando suas outras cores: branco, amarelo, azul... em tímidas camadas. Ao surgir uma mancha rosada foi que eu parei, acomodei-me: sentada na calçada, escorada num murinho, diante do portão de uma casa desconhecida. Agora era questão de segundos...
         Oh, lá vem ele, todo fazido, espiando sorrateiramente detrás de um prédio e se esgueirando lentamente entre este e um outro. Eis que se ergue esplêndido. O leste despertando só para mim. Assim, me senti ainda mais deusa (além de ser a da lua, da natureza, da caça).
         Que privilégio ter o dia nascendo sozinho, longe das garras da rotina, do átrio cotidiano, assediado pela indiferença do sono. Tive a honra de vê-lo nascido antes dos compromissos mundanos.
Logo, a cidade se levantou também, com seus fedores e a cara amassada de gente. Pena, ainda está tão lindo, posso ver ainda um quadro apreciável. Mas ok, segue adiante. E não é que encontro uma vista mais abrangente e bela. Pareceu-me uma típica estampa de camiseta de Istambul, só faltavam os minaretes.
Não queria ir embora, então resolvi explorar outras ruas. Nenhuma outra idéia teria sido melhor. Outras elevações, morros verdes ao longe. Do lado de cá, casas na mais graciosa arquitetura. Eu teria me perdido com prazer naquele lugar.
Eis que encontro um ventilador cabisbaixo. Senti pena de sua triste solidão, do seu abandono. Disse-lhe que não ficasse assim tão down. Cheguei a pensar em ir até ele, consolá-lo, tentar levantar seu astral. Não iria me escutar. Não, é preciso reerguer a cabeça por si mesmo, não importando se pareça algo impossível, tanto mais no caso dele. Além disso, me enxerguei nele. A tristeza na verdade era minha. Ninguém podia fazer algo por nós, só eu sabia.
Por ora, eu tenho que por à prova meu senso de direção e geografia, precisava reencontrar ruas conhecidas. Virei-me muitíssimo bem, obrigada. Posso já explorar o mundo, sozinha mesmo, que não faz mal nenhum.
Que imenso prazer nisso tudo! Vejo que minha essência não se perdeu. A menina destemida, curiosa, ainda vive em mim. Com todo seu fogo nos olhos ardendo vorazes.

02/11/2010

20110222

Mudar o roteiro

Depois vem uma espécie de estupor, o mesmo de sempre, e um turbilhão abstrato dentro da cabeça, começam a surgir aos borbotões idéias e imagens, que fluem e ficam vagando na minha mente. Os pensamentos se desestruturam e lutam para encontrar algum chão.
         É um amor esquizofrênico, se debatendo para ser substituído por adrenalina, aventura apaixonada e efêmera, e insistindo em se escrever. Parece que o guardei demais e ele quer se soltar de mim, mas já não tenho certeza se não sou eu quem está presa, perdida dentro uma loucura com sentimentos obscuros, secretamente situados entre a sombra e a minha mente.
         Chega, isso teve um começo e mesmo assim parece impossível vislumbrar um fim. É um romance que vive dentro de mim, numa guerra de armas químicas, espadas e poemas. E só acabará quando todas essas personagens morrerem comigo.
         Não, não queria desse jeito, não mais. Às vezes, é preciso uma revisão, editar, reescrever, essas coisas... Mudar alguns aspectos e ter um outro ponto de vista. É isso que tinha começado a fazer.
         Vim cometendo um assassinato em série, como se fosse um psicopata plenamente confiante de seus motivos, matando todos os que estavam dando problemas. Buscando um outro quebra-cabeça, talvez. Mas sobrou uma: eu. E estou tentando me situar numa nova história. Só que dessa vez sendo eu mesma. Precisava inventar um novo eu para (me) interpretar...

Cegamente

The Lovers, Magritte

        Foi deliberadamente à sua procura. Coisa que não devia fazer tão pública e descaradamente, perguntando a seus colegas onde encontrá-lo. Na porta da sala viu-o ao telefone. Estavam frente a frente. Ela encarou seu rosto sem poder concluir que expressão seria aquela vindo do seu semblante, sempre sério, se era de medo, agitação ou desagrado.
         Quando ela falou-lhe sobre um favor que havia pedido semanas atrás, ele encarou como um improviso, uma desculpa esfarrapada. O que não era. Tudo bem, era realmente esfarrapada. Afastou-se e não parava para conversar. Parecia até que queria evitar qualquer aproximação.
         Mas na verdade, ele estava improvisando. Tinha entrado em ação. Quando voltou, ela viu o pincel atômico em sua mão e entendeu tudo, mas não conseguia acreditar, ou queria, mas não sabia por quê. O corredor estava cheio e havia decidido apenas passar reto. Ele chamou-a e ela soube que tinha de voltar atrás, logo. Estava dentro da sala e convidou-a para entrar. O quadro branco com uns rabiscos caprichados de fórmulas e um circuito elétrico.
         Ela foi direto para o canto, atônita. Encarou-o com ar perplexo e escarnecendo por dentro daquela ousadia. Não queria que lhe fosse tão fácil, simples assim. Recuou um pouco e ele avançou. Impossível resistir a saltar-lhe ao pescoço. Uma loucura fugaz.
         Difícil rememorar toda a luxúria e desejo daquele beijo, furtivo e desesperado. Havia uma ânsia mútua, quase incontrolável, de manterem-se com os corpos colados. As mãos dele agarrando-a e percorrendo freneticamente suas curvas como se temessem lhe perder ou esquecer qualquer traço de sua silhueta.
         Acabou-se o tempo e a realidade se impôs sobre os dois, separando-os quase tão subitamente quanto haviam se encontrado. Ela volta para o corredor atulhado das pessoas de todas as mesmas noites, impregnadas de rotina. Mas tendo ela passado por cima disso e das convenções morais e éticas, podia muito bem sentir olhares acusadores, invejosos ou desconfiados lhe rondando, mesmo que não estivessem diante de seus olhos (estava fitando o chão ou qualquer ponto cego por onde andava).
         O prazer inebriante lhe deixava a salvo disso e da culpa, ela se embriagava no coquetel tóxico da paixão correndo em suas veias e ficava indiferente à presença das outras pessoas. E não tinha medo, nenhum medo. Tão pouco tinha controle sobre si mesma. Apenas se sentia ligeiramente obnóxia.

20110221

O tal do tempo do abacate

Uma vez li um texto sobre o tempo do abacate, aquele em que temos de esperar amadurecer, sobre rompimentos e as dores que vem junto. Uma metáfora sobre como lidar com certas situações, saber esperar. Aquelas de separação, as quais podemos considerar que cada uma é de um jeito, de tantos exemplos que temos, e a cada vez parece que é a primeira. Casos esses em que experiência não ajuda, no momento simplesmente nos esquecemos dela. E não há manual de instrução que possa ser consultado. O máximo que chega a ser lembrado com a experiência nessa hora é que "tudo passa". Mas aí pode piorar. Porque quem disse que queremos que passe? Passar é o mesmo que acabar. Mas quem disse que queremos que acabe?
Aí vem a dor, e ela é proporcional aos buracos das dores anteriores. Quanto maior a dificuldade em conviver com a frustração, maior ela é na próxima. A dor não vem sozinha, vem acompanhada das dores do passado. Vivem-se todas as dores do mundo de uma vez só. O que se pode fazer é esperar, e mais um pouco quando achar que já deu. Viver a situação inteiramente. Sublimar. Dizem que há tempo para tudo.
Não gosto de abacate e vivo sempre brigando e me estranhando com o tempo.
Sem dúvida, o brinde que se ganha nesses casos, com as dores do passado, é universal. Aos poucos quem me diz que EU quero que acabe, que tudo passe, é a razão, a lógica das conseqüências... A gente esmiúça todas as incompatibilidades a fim de convencer a si mesmo de que aquilo não iria dar certo e é melhor ser assim do que ter ficado assado. A coisa ruim de largar tudo na caçamba do tempo é a perda, não do valor, mas da qualidade daquilo que tivemos: perde-se o sabor, a cor, o brilho, se desgasta, roído por traças de rancor e com cheiro pungente. Aí, por vezes, a criatura aparece e até traz uns resquícios de saudades ou de desejos, ou uma reconciliação apenas diplomática, mas não é a mesma coisa, não adianta, não é mesmo?
Não há mais garantia de alguma durabilidade, somos meio que forçados a reconsiderar, ou pelo menos fingir que é descartável, para não sofrer o mesmo ou até mais.
Quando o tempo tem que passar, é para acabar mesmo, varrer tudo, porque os caquinhos cortam, machucam e deixam mais cicatrizes... Não costume guardar a expectativa frustrada das paixões, apenas a saudade vaga do que foi bonito, cheiroso ou engraçado. Alguns casos se encerram facilmente, mas um ou outro ainda pode ser difícil de embalar e colocar o carimbo ESGOTADO, talvez isso seja pela convivência imposta...
Mas o que realmente incomoda é desperdício de tempo, de palavras e tudo mais, para acabar, mas especialmente para esperar... O que dói é o que ainda não foi feito, o que não foi dito, o que fica passando na frente, mas não chega, o chove mas não molha.. Dói quando as pessoas abusam do teu tempo, alimentando expectativas que cada vez esgotam mais e vão te esvaziando por dentro... Não servimos para meio-termo ou promessas!
Às vezes dá vontade de ir embora, e antes quando uma pessoa parecia que já não tinha nada demais a deixar para trás, agora fica pairando viscosamente (porque sufoca) no ar que respira a possibilidade de tanta coisa que compartilhar maravilhosamente enquanto não vai... Mas as horas vão passando e o mundo ri dela, que não consegue ser ela mesma sem nada de real, sem quem lhe ateste que existe e que foi útil... Fica assim, perdida num mundo paralelo que não sai de sua mente e aonde ninguém vai vê-la. Isso pode corroer mais que ácido sulfúrico e soda cáustica juntos. Cuidado!
Um tipo de linda mulher que se sente assim teima em viver um romance de capa e espada, imagina-se na torre esperando o príncipe encantado. Insiste em viver nos contos de fadas enquanto a vida lhe mostra outros príncipes que se parecem a sapos, mas que são cheios de amor pra dar e receber.... Enquanto espera o ideal não vive o real. Se incomodar o desperdício de tempo é porque só quer resultados. O melhor da festa é se preparar pra ir, escolher a roupa, tomar o banho, arrumar o cabelo, imaginar quem vai estar lá, depois chegar lá e dançar, conversar e no dia seguinte lembrar de tudo isso e rir... Então não há desperdício, tudo faz parte...
           É preciso curtir a vida, relaxar, e não esperar resultados. Não depender de ninguém para ser feliz. Aproveitar cada momento.

por Cíntia Timóteo, com Sônia R. Porto Machado
O texto referido você encontra aqui: http://soniaporto.zip.net/arch2007-02-11_2007-02-17.html

20110218

Dormindo no ponto

            Súbita e inevitavelmente, sou atacada por um incontrolável sono, várias vezes ao longo de um dia. Daí eu ser aparentemente tão desligada para alguns. Não que eu me importe com o que outros pensam. Só minha consciência é que vale. O lamentável disso é perder muita coisa dos meus pensamentos.
            Cronicamente, fico tal uma narcoléptica. E a causa disso é uma crise na pequena indústria Orexin(a) S.A., que está enfrentando problemas na cadeia produtiva, cujas células se encontram na distante cidadezinha de Hipotálamo, na Ilha da Mente.
            Não estão conseguindo produzir hipocretina em quantidade (ou qualidade) suficiente para atender à demanda da mesma, que é uma importante proteína (e cretina mesmo).
            Há relatos de clientes que muitas vezes são acometidos de cataplexia, causada pela contaminação do produto, que é a súbita perda de força muscular (pode ser no joelho, no pescoço, no rosto...). Geralmente acontece no meio de alguma situação emocional, como euforia, tristeza, constrangimento e... até mesmo orgasmo! (bah, já pensou?). Pode provocar queda e mesmo consciente, a pessoa não consegue falar ou se mexer. Coitados.
            Isso é sério. É injusto colocar pessoas inocentes diante desse perigo, ainda mais se não podem saber a causa. Vamos evitar novas fraudes e acidentes como esse. Quem protesta comigo?

20110215

Sobre beijos

Le Basier de l'Hôtel Ville. Robert Doisneau, 1950.

Ah, beijos! Não são algo em que pensar, escrever sobre ou estudar. Alguns filósofos devem ter pensado, um médica francesa já fez uma tese de doutorado sobre seus efeitos, mais de duzentas páginas, e até Darwin pensou sobre suas origens, acreditando que o beijo era uma evolução das mordidas que os macacos davam no parceiro nos ritos pré-sexuais. Sei lá. Devem é serem muito bem exercidos, isso sim. É o que acho, insaciável que sou. Sendo assim é algo inesquecível e extremamente saudável. Estimulam músculos faciais, aumentam os batimentos cardíacos, promovem a liberação de serotonina e ocitocina, queimam algumas calorias... a lista de benefícios/efeitos colaterais é longa, a francesinha já a fez por mim. Além disso, rendem boas lembranças, histórias hilárias, versos fogosos e belas imagens (Doisneau e Eisenstaedt sabiam muito bem disso).

Há alguns anos soube da existência de um dia internacional do beijo, qualquer um já ouviu falar: 13 de abril. Não faço a mínima idéia de como surgiu data tão burlesca, parece que foi em 1982. No entanto, todo ano tinha alguma referência, estar enamorada de alguém que faz aniversário nesse dia, um acontecimento ou um atraso que me fazia lembrar tal data e lamentar ou não se ele foi devidamente celebrado, mesmo que inconscientemente.
Na última vez, esqueci completamente. A data, mas sem ficar a imaginação vazia de afagos, beijos franceses, etc durante o dia. Vi apenas de noite, no site do jornal ZH: era o tal 13 de abril. Mencionei o esquecimento num e-mail a uma amiga, e só, já era tarde. Tudo o que tinha ultimamente era um daqueles trovadores bem polenteiro na escola, sempre com uns beijinhos de trave aqui e ali. No chove e não molha. Haja paciência. E quem nunca passou por isso?

Mas no dia seguinte veio um beijo, atrasado, e sem desculpas... Um gol no centro.
Só que, sei lá.. foi tanto drible que ofuscou o mais importante.
A estratégia usada.. de se aproximar de modo inevitável fazendo entrar em contato de corpo inteiro, sentir a excitação na pele, arfar e olhar com louca cobiça para os lábios na minha frente e não poder devorar com a real avidez.. um caminho tão longo que o beijo que era pra ontem se despedaça enquanto anda.
Ah, faça-me o favor, faisquinhas elétricas é nada.. considerando que gosto de fogo e sou muito dada a deixar que um incêndio aconteça.
Beijo é o ato mais sensual que duas pessoas podem apreciar e fazer em total sintonia, um daqueles que podem te deixar de pernas bambas, sem fôlego, inebriado e com um sorrisinho besta ao lembrar. Pelo menos pra mim é assim. Isso pode ocorrer uma única vez na adolescência ou pode se ter beijos únicos ao longo da vida, mas ficam igualmente na memória para sempre.

Times Square, Nova York. Alfred Eisenstaedt, 1945.

Eis que porque o beijo, em si, merece ser cultivado a qualquer momento, das mais variadas formas, até mesmo em texto, independentemente de datas, eventos ou ocasiões. Então, sugiro que você beije muito, o namorado(a), o amigo colorido e todos os que forem essenciais em sua vida. Dê uma chance para aquele que te trovou na festa, surpreenda aquela garota em quem você tem andado de olho. Tasque um sempre quando estiver apaixonado, muito feliz ou extremamente necessitado, haha...
Isso na minha humilde opinião.

p.s.: a história de cada foto é muito interessante, de fotógrafos que muito aprecio (o primeiro francês e o segundo um prussiano), por isso escolhi essas, e são muito famosas (só uma curiosidade: ambos os casais eram desconhecidos entre si, a diferença é que a segunda foto foi de um ato espontâneo).

Um beijo a todos!

20110214

Sempre mademoiseille devassa

Uma despedida?
Sim, quero me despedir.
Fazer um despedido.
Despedir-me de tudo,
De todos.
Despedida de solteira.
Por que não?
Afastar a dissoluta,
Só por um bom tempo.
Até parece que não vai fazer diferença.
Só por enquanto,
Poderia me entristecer um pouco, talvez.
O certo é que outras e novas saudades
Virão ainda mais intensas.
Chega.
Beijinho na mão,
É o que eu quero agora.
Como em séc...
[foi nesse instante que tu chegastes,
Beijando suavemente minha mão...
Parecia ter lido meu pensamento assim que pensei.
Eras aquele que poderia me levar embora.
Logo, logo me apaixonaria.


E essa brisa já passou, não volta mais...
Outras estão por vir, como sempre.

20110211

Doce dia de novembro, 2009

ai, ai... que sentimentos bons estavam a me inflar a alma!
A primeira coisa que vi naquele dia cinzento, logo pela manhã, foi um arco-íris, lindo, que nunca tive tão perto de mim... Embora eu tivesse que seguir andando de costas para ele, aquela visão me acalmou, bastou pra me deixar alegre.
O dia tinha sido cheio de sensações e sentimentos diversos, mas prevaleceram os risos e sorrisos que me mantêm... pude voltar pra casa na companhia de um pôr-do-sol colorido pelos meus óculos roxos.

A noite me veio com uma maravilhosa surpresa, que tinha me provado que as pessoas mudam, que elas sempre podem nos surpreender, voltar a nos alegrar, apesar do passado... que elas percebem o quão precioso é o pouco tempo de que dispomos para aproveitar o que amamos ou quem nos ama, para compartilhar o melhor da vida. E saber que ainda há tempo para mudar é um privilégio para poucos.

E tinha ficado feliz por ter tido com quem compartilhar a percepção do essencial.
Coisa boa ter um alguém a quem podemos exteriorizar nossas inspirações e nosso estado de espírito, não é mesmo?

(sim, há também a lembrança implícita do filme Doce Novembro, muito conveniente, uma vez que em alguns casos não basta apenas mudar e as pessoas podem partir a qualquer momento, sem volta. Reviravoltas que, no entanto, valeram a pena...)

O cheiro de capim-limão

Queria me amar e falava em fazermos amor. Mas não tinha por que fazê-lo, eu o tinha de sobra. Amor pra emprestar, dar e vender, se quiser. Bem pelo contrário, precisava extravasar o meu, me aliviar desse que está preso em mim (ou me livrar desse que me prende).
Nele parecia que o amor faltava. Desgastou-se com o tempo, foi desperdiçado ou então nunca existiu. Mas precisava dele. Ele lhe faz bem, alimenta seu casamento, não importa se vem de dentro ou de fora.

Enquanto se mantém estagnado em sua rotina consolidada e preso no seu mundinho de conveniências, eu simplesmente passava, intermitentemente, por sua vida. Constantemente à espreita e quando me aproximava, aspirava meu perfume de liberdade, meu cheiro fantasiado de libertina. Meu aroma de capim-limão, que nunca esquece. Essência da nossa loucura?

E eu, quase libertina que me tornei, te abrigava em meu calor, abraços frenéticos, meus beijos, e me envolvia nos braços desse homem insípido e inodoro que és.

20110205

Abalos internos, de 1 a 3 na escala Richter

Manhã de segunda insípida, fétida e pálida.

Desprovida de alma.

Com olheiras profundas e irremediáveis.

E não há para onde fugir.

Não de medo, mas de algo que ainda não tem nome.

Tornei-me alguém que se diz eu, mas não sou eu.

Vou me procurar.

Devo ter me escondido em algum lugar...

Aqui dentro mesmo.

Pare de querer contrair o tempo!

Isso só faz expandir ainda mais essa agonia,

Tal que não tem começo definido

E não se sabe aonde pode me levar.

Se me descuido um instante, vem essa espécie de abalo sísmico
Tirar-me meu frágil equilíbrio fingido, súbita e sorrateiramente.
Com uma dor asfixiante e narcótica.

Há certo desespero que estou tentando esconder dos outros.
Nem eu suportaria vê-lo por muito tempo.
Mas, mesmo que eu feche os olhos,
Ele continua lá,
Gritando sob meu silêncio.

Em algum lugar e em lugar nenhum

Será?Será que tem um lugar que vai existir para mim se, e quando, eu chegar nele?

Tenho o sentimento de que ele não vai estar mais lá quando eu chegar.

Aí vou perceber que vivi sem me mover um milímetro sequer nesse mundo que fui tal uma pedra...

É um pouco como se lembrar do que disseram à Alice uma vez: que é preciso correr muito para se manter no mesmo lugar.

Essa perspectiva me assombra quase todos os dias.

Porque eu não terei tido minha própria felicidade, a liberdade que traria ar aos meus ansiosos pulmões.

Chega, quero dormir.

Procurar o caminho na escuridão do sono, porque lá não há.

Não tem lugar para chegar nem de onde partir, apenas se está e não é, se é e não se está.

Pânico ensolarado

Um vento desvairado que me deixou ainda mais louca.
Um dia muito bonito, mas desesperado.
Contagiei-o com meu desespero.
O pânico do nada em mim.
Os minutos se passando sem sentido.
E eu desprovida de bom sentimento.
Perdida na verdade.
Mentira.
Constrangida e incrustada de culpa, isso sim.
Podia morrer de vergonha.
E fiquei perturbada com isso, completamente.
Logo me dói, agudo e súbito.
A vida apenas sintomática pulsando aqui.
Sabia que era um nada completo.
Só não sei se há algo que tornará tudo assim ou que vá virar um passado à parte...

Insustentável peso de não ser

Estou morta. Sinto-me morta.

Morri há algum tempo. Ou será que já nasci morta?

Morta antecipadamente de desgosto, de culpa, de inércia estocada.

Quem sabe?

Não sei se estou soterrada sob um peso de inexistência ou se estou vagando errante pelo vazio, leve e volátil, impregnada no vácuo.

De mim emana um certo éter que gela minha vida.

Não sei mais nada. Há muito me perdi de mim.

Preciso de algo que me prenda ao chão.

E que assim eu possa caminhar, deixar minhas pegadas, não mais ficar apenas olhando este estranho mundo de cima.

Tenho que fazer parte dele, e assim viver e vivê-lo...

Nem sei se consigo ou mesmo se quero. Eu não poderia tê-lo apenas aqui dentro...

Acho que não vencerei a corrida contra o tempo. Ele corre sobre uma linha, e eu não.

20110202

Atravessada


E por mais que eu continuasse

a querer enxergar o desejo

transparente em seus olhos,

receber o impacto,

sentia que ele me transpassava.

Atingi não o outro lado da transparência,

mas ela própria, passei através

e dentro dela me perdi.


E junto comigo, se perderam as perguntas.