20110222

Cegamente

The Lovers, Magritte

        Foi deliberadamente à sua procura. Coisa que não devia fazer tão pública e descaradamente, perguntando a seus colegas onde encontrá-lo. Na porta da sala viu-o ao telefone. Estavam frente a frente. Ela encarou seu rosto sem poder concluir que expressão seria aquela vindo do seu semblante, sempre sério, se era de medo, agitação ou desagrado.
         Quando ela falou-lhe sobre um favor que havia pedido semanas atrás, ele encarou como um improviso, uma desculpa esfarrapada. O que não era. Tudo bem, era realmente esfarrapada. Afastou-se e não parava para conversar. Parecia até que queria evitar qualquer aproximação.
         Mas na verdade, ele estava improvisando. Tinha entrado em ação. Quando voltou, ela viu o pincel atômico em sua mão e entendeu tudo, mas não conseguia acreditar, ou queria, mas não sabia por quê. O corredor estava cheio e havia decidido apenas passar reto. Ele chamou-a e ela soube que tinha de voltar atrás, logo. Estava dentro da sala e convidou-a para entrar. O quadro branco com uns rabiscos caprichados de fórmulas e um circuito elétrico.
         Ela foi direto para o canto, atônita. Encarou-o com ar perplexo e escarnecendo por dentro daquela ousadia. Não queria que lhe fosse tão fácil, simples assim. Recuou um pouco e ele avançou. Impossível resistir a saltar-lhe ao pescoço. Uma loucura fugaz.
         Difícil rememorar toda a luxúria e desejo daquele beijo, furtivo e desesperado. Havia uma ânsia mútua, quase incontrolável, de manterem-se com os corpos colados. As mãos dele agarrando-a e percorrendo freneticamente suas curvas como se temessem lhe perder ou esquecer qualquer traço de sua silhueta.
         Acabou-se o tempo e a realidade se impôs sobre os dois, separando-os quase tão subitamente quanto haviam se encontrado. Ela volta para o corredor atulhado das pessoas de todas as mesmas noites, impregnadas de rotina. Mas tendo ela passado por cima disso e das convenções morais e éticas, podia muito bem sentir olhares acusadores, invejosos ou desconfiados lhe rondando, mesmo que não estivessem diante de seus olhos (estava fitando o chão ou qualquer ponto cego por onde andava).
         O prazer inebriante lhe deixava a salvo disso e da culpa, ela se embriagava no coquetel tóxico da paixão correndo em suas veias e ficava indiferente à presença das outras pessoas. E não tinha medo, nenhum medo. Tão pouco tinha controle sobre si mesma. Apenas se sentia ligeiramente obnóxia.

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