Bonjoour! Decidi ir ver o sol nascer hoje. Espero que voltes bem [e trate de falar comigo antes de amanhã, seu, seu... seu sumidinho!]. Logo, te mando um beijo pelo vento. Se o sentires numa brisa pelo caminho, tanto melhor. Se não (sempre entro em dúvida sobre qual senão usar), sinto muito... Ficas sem. Tá, tá, posso sim fazer o favor de beijar-te pessoalmente se for preciso. Sacrifício (muitamuitaironia.com).
Mas então, o restinho da noite à minha espera estava um tesão. Límpida, fresca e com uma lua nova de cor bem simpática me saudando.
Ruas praticamente vazias, me enchendo de maníaca alegria. Saí correndo a fazer meu próprio vento. Uma liberdade improvisada. Olhar para trás com expressão sapeca de quem vai brincar escondido e se divertir muito melhor sozinho. Eu podia saltitar, abrir bem os braços fingindo o melhor vôo (mesmo que viesse se parecer com o de uma garça), cantar alto, berrar, e não tinha nada, muito menos ninguém, com que se importar.
Ah, essa escuridão cintilante, sedutora e aconchegante como uma bela capa de veludo. Parecia que, por instantes, eu tinha uma metade do mundo só pra mim, me preparando um espetáculo particular. E tinha uma linha se desbotando insinuante no horizonte já.
Apressei-me, precisava chegar antes do sol. Enfim, cheguei lá em cima. Ainda me sobraram uns minutos para procurar o melhor lugar, o melhor ângulo e a melhor acústica para se escutar o sussurro do silêncio, o despertar do mágico. Lá adiante, o céu desnudando-se, revelando suas outras cores: branco, amarelo, azul... em tímidas camadas. Ao surgir uma mancha rosada foi que eu parei, acomodei-me: sentada na calçada, escorada num murinho, diante do portão de uma casa desconhecida. Agora era questão de segundos...
Oh, lá vem ele, todo fazido, espiando sorrateiramente detrás de um prédio e se esgueirando lentamente entre este e um outro. Eis que se ergue esplêndido. O leste despertando só para mim. Assim, me senti ainda mais deusa (além de ser a da lua, da natureza, da caça).
Que privilégio ter o dia nascendo sozinho, longe das garras da rotina, do átrio cotidiano, assediado pela indiferença do sono. Tive a honra de vê-lo nascido antes dos compromissos mundanos.
Logo, a cidade se levantou também, com seus fedores e a cara amassada de gente. Pena, ainda está tão lindo, posso ver ainda um quadro apreciável. Mas ok, segue adiante. E não é que encontro uma vista mais abrangente e bela. Pareceu-me uma típica estampa de camiseta de Istambul, só faltavam os minaretes.
Não queria ir embora, então resolvi explorar outras ruas. Nenhuma outra idéia teria sido melhor. Outras elevações, morros verdes ao longe. Do lado de cá, casas na mais graciosa arquitetura. Eu teria me perdido com prazer naquele lugar.
Eis que encontro um ventilador cabisbaixo. Senti pena de sua triste solidão, do seu abandono. Disse-lhe que não ficasse assim tão down. Cheguei a pensar em ir até ele, consolá-lo, tentar levantar seu astral. Não iria me escutar. Não, é preciso reerguer a cabeça por si mesmo, não importando se pareça algo impossível, tanto mais no caso dele. Além disso, me enxerguei nele. A tristeza na verdade era minha. Ninguém podia fazer algo por nós, só eu sabia.
Por ora, eu tenho que por à prova meu senso de direção e geografia, precisava reencontrar ruas conhecidas. Virei-me muitíssimo bem, obrigada. Posso já explorar o mundo, sozinha mesmo, que não faz mal nenhum.
Que imenso prazer nisso tudo! Vejo que minha essência não se perdeu. A menina destemida, curiosa, ainda vive em mim. Com todo seu fogo nos olhos ardendo vorazes.
02/11/2010